A profecia de Jair, tá ok?
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Quando certa manhã Jair acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama vivendo o seu maior pesadelo. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu a tela de Aldemir Martins e os móveis escolhidos pela Ana Maria Niemeyer. Pela janela, fitava os jardins do Palácio da Alvorada e Brasília se abria no horizonte, suas pernas finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. — Eu continuo aqui? — pensou.
Desesperado. Levanta rápido. Olhos turvos. Sensação de desmaio. Foco. Vai até o banheiro, abre a torneira e molha o rosto — de água e de lágrimas. A memória da infância não falha:
"Caído no chão pela formosa Glicério com o joelho ralado depois de cair da bicicleta. Uma mão manchada do tempo lhe acode, o nariz longo e o olho único da Moira diz: 'Jair, a sua profecia está feita, você levará o Brasil à destruição. Não há como mudar, tá ok?’"
Confere a cicatriz já velha no joelho e com voz embargada tenta gritar: "Eu não sei mais o que fazer, 27 anos de política com só 2 projetos, me aproximei da milícia, ordenei assassinatos, ofendi tudo e todos, lustrei torturadores, tentei esconder e espalhar pandemias — já irritado derruba seu Anapyon e a escova de dentes — até escolher arminha como gesto eu escolhi — chora. O que eu estou fazendo de certo? Porquê continuam votando e confiando em mim?"
Toc, toc, toc. Sérgio abre a porta do banheiro. Jair, não se preocupe, nós vamos conseguir. Hoje você tem duas coletivas e eu já marquei seu pronunciamento, não podemos desistir de quebrar a profecia.
Jair penteia o cabelo, veste sua raider e suspira: 'pão com leite condensado e depois banana pra imprensa de novo?' - estufa o peito e começa um novo dia.
Imagens dos instagram: @designativista e @gladsontarga